“Mulher não joga bem”, “Pra uma mulher, até que joga bem”, “Só podia ser menina pra jogar mal assim, depois falam que é machismo”, “Cala boca, você é mulher! Tem que ficar quieta”. Esses são só alguns dos muitos tipos de ataque que uma mulher recebe diariamente em diferentes plataformas e games online. Pela quinta vez, elas são a maioria no meio, cerca de mais de 53%, de acordo com a Pesquisa Game Brasil 2020 (PGB), e ainda não têm o respeito que merecem e lutam todos os dias para conseguir.
Você já ouviu e até concordou que “mulher tem menos senso de direção do que homem”? E se você soubesse que a University College, de Londres, fez um estudo para testar essa teoria e, apesar de confirmada, o motivo se resumiu ao machismo? Eles colocaram o jogo ‘Sea Hero Quest’ no ar, em 2018, onde mais de 2,4 milhões de pessoas testaram suas habilidades de navegação e senso de direção pelo mapa. Após analisarem os dados, um dos resultados foi de que os homens se mostraram muito melhores em navegar do que as mulheres. Mas, os cientistas não pararam por aí e cruzaram essas informações com os países de cada jogador. Com isso, constataram que no país onde existe uma grande igualdade entre gêneros, a diferença de desempenho no teste de navegação espacial foi muito pequena, e quanto maior a desigualdade, maior foi essa diferença. Ou seja, uma mulher não é pior que um homem em alguma atividade, ela apenas está inserida em uma cultura desigual que influencia diretamente suas habilidades cognitivas.
Voltando à PGB, é afirmado ainda que 61,9% dos Casuais Gamers são mulheres e 61,3% dos Hardcores Gamers são homens. Isso é, a pesquisa também afirma que ser “casual” significa jogar até três vezes por semana em sessões de até 3 horas, com um total de 9 horas por semana. Se isso é jogar pouco, pra jogar muito só sendo profissional, não é mesmo? A questão é que isso tem muito mais a ver com a cultura da não influência do interesse feminino pelos jogos, do que com a quantidade de horas que cada gênero joga. Uma menina, ainda criança, provavelmente vai se interessar primeiro por uma cozinha da Barbie do que por jogos. E podemos concluir que isso vem de uma idealização arcaica de que mulher cuida da casa e homem faz o que bem entender da vida. Até mesmo os jogos disponíveis para o público mais jovem, muitas vezes, são divididos em categorias femininos/masculinos, onde entre os das meninas se destacam os como ‘The Sims’ (montagem de casa, família, etc) e dos meninos outros como ‘Free Fire’ (batalhas, tiros, estratégias, etc).
Além da falta de incentivo no cenário, as mulheres ainda precisam enfrentar episódios de assédio durante streams, ragers em partidas, ofensas gratuitas em redes sociais quando dão suas opiniões sobre eSports, entre outros tipos de desrespeito. Desde o lançamento de Valorant, o novo jogo de FPS da Riot Games, por exemplo, o número de relatos de casos de machismo dentro do game foi assustador. Isso, porque as partidas exigem comunicação via chat voice, o que facilita para os demais jogadores perceberem que estão na companhia de uma mulher no time. O que não deveria fazer nenhuma diferença, mas qualquer erro vira motivo de chacota. A empresa não se pronunciou sobre os casos denunciados e, em muitos deles, o agressor nem se quer foi punido, mesmo havendo denúncia. A You Go Girls fez uma breve pesquisa no Twitter, no último dia 07 de junho, onde 87% das nossas seguidoras afirmaram reportar os ataques, mas apenas 15% delas acreditam que essa atitude é efetiva. Confirmando, assim, que não confiam que seus agressores serão punidos.
A You Go Girls foi criada em maio de 2018, com o objetivo de, justamente, acolher todas as mulheres que são envolvidas no mundo gamer e se sentem, de alguma forma, oprimidas pelas comunidades. Em um balanço de dois anos de existência, foram muitas trocas e incentivos, além de também muita frustração e desânimo sobre qualquer mudança no cenário machista que, infelizmente, ainda é o de eSports. Poderíamos, hoje, estar comemorando muita coisa, mas ainda não há muito o que se comemorar. Ainda há muito o que se pedir, mudar, reformular, repensar.
Agora, alguns recadinhos. Organizações/empresas/desenvolvedoras: entendam que as mulheres existem e são maioria no setor de vocês, desenvolvam games inclusivos, zero depreciativos, organizem campeonatos femininos, por favor, às incluam. Homens: respeitem as mulheres, ouçam elas, compartilhem com elas, não tenha vergonha de assumir que a sua namorada joga mais que você, tenham orgulho delas. Mulheres: o mundo é de vocês, o lugar de vocês é onde vocês quiserem, joguem, joguem muito, ganhem campeonatos, ou só se divirtam mesmo, mas nunca, nunca deixe ninguém, nem nada ditar que o seu lugar não é nos games. Estamos aqui, sempre, umas pelas outras.
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Jornalista de formação, social media de profissão, gamer de coração e feminista por natureza. Jogando a vida como uma garota, desde sempre!
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