Uma pauta de extrema importância e que muitas vezes é negligenciada, principalmente pelas grandes empresas de jogos eletrônicos, é a dependência e os efeitos colaterais que podem causar ao ficarmos conectados, “presos” tentando passar no boss daquele joguinho. Não somente os jogos eletrônicos, mas também os videogames tradicionais podem causar o que chamamos de comportamento obsessivo.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já tinha desde 2018 reconhecido o vício em jogos como uma questão de transtorno mental, mas somente entre 2019 e 2020 que realmente está sendo regulamentado e entrará no CID-11 como “gaming desorder”, ao qual será interpretada pelo transtorno/distúrbio de uso excessivo dos jogos. Essa decisão só ocorrerá a partir de 1 de Janeiro de 2022 e até lá os profissionais da saúde ainda seguem discutindo sobre as medidas preventivas e os protocolos para um tratamento eficiente.
AFINAL, O QUE É A CID?
É a base para identificar tendências e estatísticas de saúde em todo o mundo e contém cerca de 55 mil códigos únicos para lesões, doenças e causas de morte. A CID também é responsável por monitorar a incidência e prevalência de doenças por meio de uma padronização universal. Profissionais da área da saúde como médicos, psiquiatras e psicólogos se baseiam nesse código antes de diagnosticar um paciente.
A discussão ainda é pauta para muitos profissionais, mas segundo a psiquiatra Júlia Machado Khoury, pesquisadora do Centro Regional de Referência em Drogas (CRR) da Faculdade de Medicina da UFMG em uma entrevista ela relatou que a dependência apesar de não ser química como as drogas, possui um efeito similar ao jogador.
“Da mesma maneira que um dependente químico precisa usar uma dose cada vez maior para atingir o mesmo prazer, desenvolvendo o que chamamos de tolerância, acontece com os dependentes de jogos ou tecnologia”, explica a pesquisadora.
Em seus estudos, Júlia relata que a tolerância aos jogadores têm influência no tempo jogado. O indivíduo passa intervalos de tempo cada vez mais longos jogando para se satisfazer. Outra similaridade é a abstinência. Quando estamos jogando, nosso corpo libera hormônios como a dopamina que traz um certo prazer ao nosso organismo. Quando estamos afastados dos jogos, por exemplo, quando estamos em um local sem internet, é possível sentir a falta desse prazer. Irritabilidade, ansiedade, insônia e até mesmo tremores podem aparecer quando essas pessoas ficam afastadas por longos períodos. Todos esses sintomas também são observados em usuários de drogas.
“É isso que, para as pessoas com predisposição, leva à dependência. Inicialmente, ela vai em busca dessa liberação de dopamina para sentir prazer novamente, para diminuir os sintomas de abstinência que ela sente quando se afasta da atividade.”
Isso pode causar um certo estranhamento para algumas pessoas, mas a reflexão é necessária. Do outro lado, temos também empresas que veem essa inclusão com mais resistência. Um exemplo é a Entertainment Software Association: responsável por representar o setor nos Estados Unidos e administrar a feira E3, a organização pediu à OMS que reavalie a decisão de incluir o transtorno por uso de videogames na CID-11 por considerar que não há evidências suficientes para justificar essa ação.
ENTÃO COMO DIFERENCIAR UM HOBBY DE UM TRANSTORNO?
Existem algumas pré-disposição que podemos chamar de perfis de risco. Em sua maioria são homens, entre 18 e 24 anos, com personalidade impulsiva e que buscam sensações e novidades. Além disso, todos os sintomas devem ser levados em consideração por pelo menos 1 ano antes de qualquer diagnóstico. Todas nós possuímos momentos de procrastinação ou de querer passar um dia inteiro jogando rankeds, mas quando isso começa a ser uma atividade contínua e que interfira em suas outras tarefas do dia, devemos nos policiar. Os estudos apontam que dos mais de 2 bilhões de jogadores espalhados pelo mundo, cerca de apenas 3% pode ser considerado dependente. Se afastar dos amigos, familiares, deixar de fazer suas atividades diárias como ir ao trabalho ou faltar à escola, deixar de lado as necessidades básicas como dormir, tomar banho e comer, irritabilidade e isolamento social são avaliados como sintomas do gaming desorder.
VOCÊ SABIA?
O histórico de saúde dos jogadores também deve ser levado em consideração na hora de escolher um jogo! Games mais intensos, como os de terror, podem colocar em risco pessoas que possuem problemas cardíacos ou quadro de pressão alta, uma vez que a adrenalina estimulante do mundo virtual pode ser comparada a situações estressantes no mundo real!
VAMOS CUIDAR DA GENTE?
Não podemos esquecer que a dependência dos videogames podem ser fatais. Muitas horas jogadas seguidas podem ser prejudiciais ao seu organismo. Consequências como olhos secos devido ao menor número de piscadas, problemas ortopédicos como lesões por esforço repetitivo, tendinites e acentuação do sedentarismo, alterações metabólicas em casos de desidratação ou muito tempo sem comer, cansaço excessivo que leva a falta de concentração, etc. E também devemos estar de olho aos energéticos e café que consumimos para ficar acordadas que podem agravar o quadro clínico. Sendo assim, não esqueça de DESCONECTAR. Sua saúde e seu corpo agradecem. ♥
Carioca da gema, 23 anos, mãe, feminista, psicóloga em formação e dona do @clubdaterapia, amante de velas naturais, aspirante a gastronomia, a própria Felícia e etc. Principalmente o etc.
Cris Oliveira
29/09/2020 at 20:07
Maravilhoso o texto e traz informações relevantes.